segunda-feira, 19 de novembro de 2012

ALIEN 2: SULLA TERRA (Ciro Ippolito, 1980)


Tempos houve em que qualquer filme que beneficiasse de um inesperado sucesso, ganharia imediatamente uma sequela oficiosa por parte dos estúdios italianos. Estes filmes com sabor spaghetti, produzidos em tempo recorde para aproveitar as ondas de choque financeira dos seus imitados, exibiam claramente as limitações orçamentais e a pressa na elaboração do argumento, mas apresentavam também (mas nem sempre) sinais indesmentíveis do talento dos seus artífices, desde entusiasmantes bandas sonoras de gigantes como Ennio Morricone, Pino Donaggio, ou a banda hard-rock Goblin, composição e fotografia irrepreensível de técnicos como Sergio Martino ou Enzo Castellari (também eles realizadores), e argumentistas como Dario Argento ou Fernando di Leo (numa invejável adaptabilidade de funções, pois também eles foram a seu tempo, realizadores). Hoje a situação é a mesma, e qualquer filme cujas receitas de bilheteira chamem a atenção dos produtores vê imediatamente ser-lhe atrelada uma sequela, ou mesmo um remake (nalguns casos, em filmes como LAT DEN RÄTTE KOMMA INN (2008) ou [REC] (2008), o remake surge em menos de dois anos): mas desta feita são sequelas e remakes oficiais, normalmente americanos, com orçamentos generosos, talento de topo e qualidade muito, mas muito inferior, aos originais.

ALIEN (1979), a primeira obra-prima de Ridley Scott e um dos mais influentes filmes, não só do cânone da Ficção Científica (e do Horror), mas da própria história do cinema, estreou-se em Itália a 25 de Outubro desse ano. Volvidos menos de seis meses, a 11 de Abril de 1980, estreava a sua suposta sequela, ALIEN 2: SULLA TERRA, com argumento e realização de Ciro Ippolito, sob o pseudónimo Sam Cromwell. Tudo no filme trai a mera intenção de arrecadar algumas liras a espectadores incautos, valendo-se da fama do filme de Scott. A 20th Century Fox processou de imediato Ippolito (também produtor do filme), mas o facto de a marca “Alien” ainda não estar registada e a existência de uma novela com esse título, publicada nos anos trinta (cuja existência não logrei confirmar) depressa fez com que a acção improcedesse sem outros resultados que não a chamada de atenção para um filme que de outra forma passaria claramente desapercebido.

O próprio argumento, também assinado por Ippolito, um entusiasta da espeleologia, deixa transparecer não só a pressa na execução, como uma incoerência temática que permite suspeitar tratar-se da adaptação de um outro projecto à exploração da mina aberta pela emergência do filme de Scott. A narrativa sofre claramente pela falta de uma estrutura subjacente, e vários elementos da trama são introduzidos com o intuito único de explorar a familiaridade dos espectadores com os clichés e convenções do género, quando não para se apropriar de outros momentos iconográficos de filmes seus contemporâneos, como sucede com a clara – e inferior – apropriação da justamente célebre exploding head do SCANNERS (1980) de David Cronenberg. Aliás, tudo parece indicar ser essa cena a única justificação, quer para a grande plasticidade comportamental dos alienígenas, como para a inusitada telepatia da protagonista que, aparte esse episódio, não contribui minimamente para o desenrolar da trama.

 

Trama essa que prima pela simplicidade – já para não dizer, pelo mais primário simplismo: em traços largos, uma cápsula espacial regressa à Terra sem que haja sinal dos astronautas que supostamente a tripulariam. A reentrada da cápsula na atmosfera e a sua amaragem – ilustradas com recurso a imagens de arquivo de missões da NASA – coincidem com a entrevista de Thelma Joyce (Belinda Mayne) a uma televisão local, entrevista essa que é subitamente interrompida por uma ausência telepática da entrevistada. Esta, uma jovem e atractiva geóloga/espeleóloga, consulta rapidamente o seu psiquiatra (que vive num barco) – e por rapidamente devemos entender uma consulta de dois minutos sentados na areia da praia – reúne-se com os seus colegas num salão de bowling, e partem imediatamente para um sistema de cavernas, parando numa loja de conveniência no meio do deserto para mudarem de roupa. Sem qualquer explicação plausível, a cápsula espacial parece ter trazido consigo vários ovos alienígenas, estranhamente semelhantes a rochas pintadas de azul, e de forma ainda mais incompreensível, estes espalharam-se pela Terra (ou, pelo menos, pela zona costeira de San Diego, onde é suposto decorrer parte da acção. Um dos ovos é prontamente encontrado por uma criança na praia e, em menos de nada, a mãe encontra-a, ainda viva, choramingando molemente, sem que o seu comportamento ou choro sejam minimamente compatíveis com o facto de ter o rosto completamente desfeito.



No exterior da loja de conveniência, Burt (o protegido de Dario Argento, Michele Soavi, que viria a realizar o clássico de culto, LA CHIESA, em 1989), um dos membros da equipa de espeleólogos, encontra uma das estranhas rochas azuis, que nenhum deles consegue identificar geologicamente. Levando a rocha consigo, mergulham no interior da terra, de onde apenas Thelma e o seu companheiro Roy (Mark Bodin) sairão com vida.


Como o próprio nome indica, ALIEN 2 SULLA TERRA (que poderíamos traduzir por “Alien 2: Sob a Terra” – ou, de forma mais interessante, “No Interior da Terra”) foi um dos primeiros filmes a explorar a expectativa gerada em ALIEN de que um dia as letais criaturas de H. R. Giger, chegariam à Terra. Infelizmente, foi também um dos primeiros a evitar fazê-lo. A lógica do universo criado por Dan O’Bannon e Ridley Scott impunha que esse contacto violento entre a Terra e os Aliens, se desse no mundo futuro que ALIEN nos permitia intuir e que ALIENS (1986) concretizara um pouco mais na sua primeira bobine. Obviamente, para um mercado cinematográfico que nos anos 80 produzia essencialmente para um público de adolescentes [após o fracasso do HEAVENS’ GATE (1980) de Michael Cimino, coevo da sacarização operada por Spielberg em CLOSE ENCOUNTERS OF THE THIRD KIND (1977) e E.T. – THE EXTRATERRESTRIAL (1982)], tal confronto, a dar-se, teria que ser em época contemporânea dos seus destinatários. A falta de um argumento convincente, levou a que esse recontro não se desse quer em ALIEN3 (1992), quer em ALIEN RESURRECTION (1997), deslocando-se antes para as páginas das bandas desenhadas da Dark Horse Comics. Quando o tão esperado confronto chegou finalmente ao cinema, fê-lo na forma abastardada dos dois AVP (2004, 2007), cuja acção decorre incompreensivelmente no mundo actual (onde o PREDATOR surgira já em 1987 e em 1990), obliterando qualquer hipótese de verosimilhança e tornando virtualmente inoperante a trama de ALIEN (1979), das suas sequelas oficiais, e mesmo da prequela PROMETHEUS (2012). Tudo, como se sabe, por via do inesperado fascínio exercido por uma in-joke num dos filmes sobre consumidores adolescentes alimentados com a papa acéfala dos videojogos.
 

 
Serve este pequeno desvio para anotar que Ciro Ippolito desperdiça em ALIEN 2 SULLA TERRA, por falta de capacidade, ou por falta de meios, a oportunidade de criar um pequeno exercício criativo que, alimentando-se do imaginário criado por Scott, poderia desfrutar de uma maior longevidade na memória dos espectadores. Efectivamente, o complexo de cavernas de Castellava Grotte é o cenário ideal para recriar na Terra a sensação de estreitamento e de isolamento opressivo dos corredores da Nostromo. Escuras e húmidas, dominadas por esculturas naturais de aspecto semi-orgânico (nalguns casos, perfeitamente fálicas, como o encéfalo da criatura de ALIEN), quebradas por desníveis inesperados e subdivididas em afluentes rochosos, são o equivalente natural da nave prospectora do filme de Scott. Nas suas entranhas, os espeleólogos deslocam-se nos seus fatos coloridos, com capacetes, como astronautas de um submundo infernal. Tal como em ALIEN, também eles improvisam um detector de movimento; tal como em ALIEN, a primeira manifestação da criatura é sob a forma de face-hugger, e tal como em ALIEN, o monstro emerge do interior do corpo, irrompendo pela mortalha de osso, carne, músculo e vísceras, após sofrer uma transmutação pouco clara.



Ao contrário do filme de Scott, porém, os alienígenas manifestam um fenótipo incongruente, ora atacando de forma violenta e sangrenta, ora – numa única instância – controlando (ou possuindo, quem sabe?) um dos personagens, apenas – como já referi – para justificar a “inútil” telepatia de Thelma e, de caminho, plagiar a cabeça explosiva de SCANNERS (1980). O interior da caverna torna-se um matadouro à medida que os vários personagens adoptam os absurdos comportamentos que deles esperamos em ordem a obter uma adequada contagem de cadáveres, mas o empreendimento é prejudicado pelo amadorismo dos efeitos especiais de Donald Patterly, pela interpretação telegrafada, e pelo recurso excessivo aos tropos mais familiares da série B.



E, no entanto, em certos apontamentos visuais, são-nos dados raros vislumbres de talento na mise-en-scéne, sobretudo graças à fotografia de Silvio Fraschetti, que parece fascinada pelo efeito das luzes eléctricas no negrume dos espaços vazios. A amplitude das cavernas, a pureza do ar, a falta de superfícies de onde a luz possa reflectir-se, permite criar efeitos belos e hipnóticos: um lento rapel transforma-se numa estranha constelação de luzes; um ponto luminoso vai ganhando consistência até que as trevas se dissolvem para revelar um dos elementos do grupo que caminha em direcção à câmara.; um círculo de luzes converte-se subitamente nos membros do grupo que se debruçam preocupados sobre um companheiro caído. Nesses momentos, a fotografia, acompanhada pela trilha sonora dos veteranos Guido e Maurizio De Angelis (actuando aqui sob o pseudónimo conjunto Oliver Onions), permite ao filme transcender as suas claras limitações e dar-nos um vislumbre do filme que pretende ser.



Infelizmente, tais momentos são poucos e intervalados, e perdem-se na catadupa de diálogos absurdos, na pobreza do olhar subjectivo do alienígena, na total indigência do argumento…

 
Com os anos oitenta a espreitarem ao voltar do ano, e a ameaçarem com o domínio daqueles que William Goldman classifica como comic-book films, finais como os de ALIEN 2 SULLA TERRA tornar-se-iam cada vez mais raros e incompreendidos. No entanto, ainda no final da década de setenta, da década do desencanto e da desilusão com o desmoronar do paraíso terrenal prometido pelos movimentos New Age emergentes dos anos sessenta, era ainda possível apresentar um final desolador. Thelma e Roy são os únicos sobreviventes da expedição espeleológica; mas ao emergirem da caverna, num renascimento simbólico do útero terrestre, encontram um mundo renovado. Aparentemente, nas poucas horas que passaram no ventre da Terra (talvez vinte e quatro horas, talvez um pouco mais) os alienígenas tomaram conta do mundo. O planeta que os espera, é um planeta vazio, pontilhado de cidades desertas e silenciosas. Habitadas apenas pelos invasores invisíveis, como vermes ocultos nos cantos mais esconsos.



 
Sem lógica ou razão, o casal é atraído para o mesmo salão de bowling onde tinham estado a jogar antes de embarcarem na fatídica jornada. Talvez o bowling pretenda servir aqui de comentário desastrado sobre a existência: os pinos do jogo estão sujeitos a forças inacessíveis à sua vontade e, no final, é praticamente a fortuna do lançamento que dita quantos permanecerão de pé. No caso, após escapar ao ataque de um dos aliens adultos, gigantes (infelizmente ausentes do ecrã devido às limitações técnicas e orçamentais), é Thelma o último pino. Quiçá, a última mulher à face da Terra. Se a sua telepatia tivesse sido pensada como algo mais do que um mero expediente, o final do filme poderia oscilar entre dois opostos, ou na incerteza entre ambos: a paz absoluta de um planeta desabitado; ou os pensamentos incompreensíveis e opressivos dos monstros invasores – dois extremos que só telepatas poderiam verdadeiramente alcançar. Mas como assim não é, resta-nos apenas um movimento de câmara que se eleva por entre os prédios, deixando Thelma reduzida a um ponto que recua cada vez mais na distância. O céu ainda é de um azul cintilante, mas o aviso final diz-nos claramente: …”ora puó colpire anche te”. A seguir podes ser tu. O que, à semelhança do resto do filme, nega o próprio isolamento de Thelma, ao incluir o(s) espectador(es) na diegese.

sábado, 28 de julho de 2012

Uma Década Suburbana




Cronologicamente, a década de 80 do século XX estende-se de 01 de Janeiro de 1981 a 31 de Dezembro de 1990. No que toca à década enquanto periodo identificável por uma comunalidade de elementos, temas e formas de tratamento, e no que toca ao cinema de Horror, podemos dizer que esta se terá iniciado em 1980, com FRIDAY THE 13TH (1980), o primeiro filme a fixar uma fórmula reconhecível e que, com maior ou menor variação, estaria presente em praticamente todos os anos dessa década.

Não obstante, a década de oitenta não beneficiou de um filme que servisse de marco modelador, à semelhança do que ocorrera em décadas anteriores. Mais do que uma unidade de temas, os anos oitenta foram marcados pelo consumismo, pela idealização da vida suburbana, spielbergueriana, e sobretudo pelo tratamento auto-consciente e auto-referencial dos filmes do passado, com especial nostalgia pelo cinema dos anos 50 [BACK TO THE FUTURE, 1985, terá sido o mais influente, mas não podemos esquecer a plétora de remakes de filmes clássicos dessa década, como THE THING (1981), INVADERS FROM MARS (1986), THE FLY (1986), e tantos outros]. O que, porém, melhor caracteriza o cinema de Horror dos anos oitenta é a revolução a nível da tecnologia de efeitos especiais, que não só serviu de catalizador a essa série de remakes, como permitiu recuperar temas do passado que as limitações técnicas tinham votado ao esquecimento. Só isso explica que logo no primeiro ano dessa década tenhamos exerimentado os magníficos AN AMERICAN WEREWOLF IN LONDON (John Landis), THE HOWLING (Joe Dante), RAIDERS OF THE LOST ARK (Steven Spielberg) e THE THING (John Carpenter). Apenas o nostálgico CLASH OF THE TITANS recuperava a tradicional tecnologia de stop-motion animation do mestre Harryhausen, com efeito verdadeiramente encantador. Esta nova possibilidade de tratamento de uma miríade de temas, provoca essa aparência de falta de contexto dos anos oitenta. E talvez por isso seja tão difícil identificar o ponto concreto onde podemos afirmar que o cinema de Horror dos anos 80 passou a ser o cinema de Horror dos anos 90. Em termos de sensibilidade suburbana, seria interessante situar esse momento no surgimento de 'BURBS (1989) de Joe Dante, uma hilariante desconstrução do mito idílico spielberguiano, traído apenas pelos dez últimos minutos da película. Uma hipótese possível é recorrermos a um critério semelhante - o da evolução da tecnologia de efeitos visuais - e colocar esse momento no lançamento de THE ABYSS (1989) de James Cameron, primeiro filme a utiizar com sucesso a emergente tecnologia de CGI, que poria fim a um período mágico e de mérito artístico na história do cinema Fantástico.

Não obstante tais factos, a percepção popular leva a identificar a década de 80 com o período compreendido entre 01 de Janeiro de 1980 e 31 de Dezembro de 1989. Assim, é meramente por uma convenção de facilidade na procura de determinados títulos que este blogue segue esta última (e incorrecta) opção.